I
A Empresa
Municipal de Extorsão de Lisboa (EMEL), enquanto instituição encontra paralelo
simbólico com o Estádio Municipal de Aveiro ou com o Centro Cultural de Belém,
como testemunhos para gerações vindouras de modas de espírito que
caracterizaram o Portugal saído da integração europeia e respectivo ‘amadurecimento’
da citada ‘integração’.
A EMEL foi, é mais uma iniciativa a par das eleições na chamada
democracia contemporânea que cai sob o epíteto de ‘armadilha para os parvos’.
Se ao votar o cidadão legitima o pequeno leque de escolha que
lhe é forçado por via oral com a ajuda de leis e mais leis, a EMEL surge
comparativamente na altura da sua implantação como a receita para mais
mobilidade e melhor ambiente para a cidade de Lisboa, sempre a encoberto de um
contexto volátil a que os fazedores de opinião e de políticas públicas dão o
nome de ‘progresso’.
A população, lentamente convencida que pensa bem e
suficiente, não tem instrumentos de reflexão crítica, pois afinal o que conta é
betão e asfalto e fazer contas para trabalhar em fábricas, e portanto o
ordenamento do território sujeita-se aos grandes empregadores da construção
civil.
Mas voltemos à EMEL, surge em Lisboa para ‘ordenar’ o
trânsito que era caótico e nada amigo do ambiente. Tudo isso mudou hoje, Lisboa mais parece um
relógio suíço de eficiência rodoviária, e temos gamos e veados a par e par com
passarinhos nos jardins da cidade. Desculpam-se os responsáveis da tutela com o
aumento do fluxo de automóveis, previsto há mais de 30 anos, mas ao qual a
maior resposta foi uma aposta nas rodovias e na segmentação do espaço a ser
taxado.
Para quem não se lembra a EMEL surge com campanhas de charme
provinciano, como ainda as actuais, tornando-se naquilo que é hoje uma empresa
de tamanho médio que alberga em quarentena quem precisa de fazer uns trocos
para o partido.
Foi e é imposta ao cidadão através do aparelho estatal, e no
sítio web da empresa, encontramos um optimismo eufemístico nos textos que dão a
conhecer a missão da empresa, isto se conseguirmos digerir o impacto inicial da
campanha publicitária em www.emel.pt que não
passa de mais uma fantochada de charme popular e sensacionalista com direito a
charanga e ninfetas dançando em redor dos credores que submissamente pagam
dando o exemplo de boa cidadania. Pode-se ler:
‘Com a criação da EMEL, tem vindo a ser feito um importante
trabalho de organização do estacionamento e mobilidade na cidade.’
A EMEL orgulha-se de ajudar a ordenar o trânsito mais
concretamente no relacionado com o estacionamento dos veículos automóveis que
circulam em Lisboa.
II
A generalização deste meio de transporte por detrimento de
outros resulta numa observação serena da total incompetência grosseira de todos
os governos que ao longo de todas as magistraturas desde a democracia de 1974
têm falhado em implementar uma política lógica para o sector dos transportes ,
não porque tanto especialista não veja ou elabore uma, mas pura e simplesmente
porque o equilíbrio de poderes, opta de forma diversa, e quando se fala em
equilíbrio de poderes o que realmente se quer dizer é ‘corrupção’.
Não se conseguiu implementar um sistema de estacionamento na
periferia urbana, gratuito e seguro, nem estender a área suburbana para fora
dos limites concelhios sem ser através da especulação imobiliária, e é por isso
que ainda é mais barato trazer o carro para Lisboa que pagar o passe mensal
para fazer 30 ou 40 quilómetros em percurso suburbano onde se podem observar os
erros urbanísticos em abundância pitoresca e variada.
Estacionar em Lisboa tornou-se efectiva e de forma deliberada,
um luxo, branqueado à população como necessário por causa do ambiente e da
mobilidade, que curiosamente nada lucram com a divisão geográfica em áreas de
maior taxação, ordenadas por cores, de forma a tornar o centro, ou seja, a zona
mais agradável para os pedestres circularem, em verdadeira zona gourmet dentro
da cidade.
O luxo divide e tem de ser pago principescamente, e é assim
que a maior parte dos condutores aceita
de forma ruminante mais este pagamento em troco do aluguer de um espaço para
depositar o seu veículo.
A autarquia gere a mobilidade e a qualidade do ar, não
proibindo elementos que as podem limitar, leia-se o estacionamento abusivo e a
poluição proveniente dos tubos de escape dos veículos, mas ‘desincentivando’
democraticamente os condutores a pagar pelo privilégio, o que pelo menos revela
uma falácia óbvia nesta transacção esquizofrénica entre a população (Câmara
Municipal de Lisboa) e a população, o caro condutor.
Há qualquer coisa de kafkiano no facto de uma empresa
pública alugar o espaço de cidadania aos cidadãos, espaço esse ordenado não por
convenções ambientais mas por áreas bem definidas de sujeição à especulação
imobiliária, como revelará a comparação entre as zonas mais caras de taxação
com as zonas onde se situam os escritórios e serviços mais caros.
Em Lisboa encontram-se hoje escassas áreas de estacionamento
gratuito, de razoável dimensão. As que existem devem a sua liberdade a
impeditivos de propriedade ou desatenção do afã em colocar parquímetros que
funcionam às mil maravilhas enquanto depuradores do ar atmosférico. O frenesim parquimetrador obriga a colocar a
questão:
Será a exploração comercial do espaço público a única forma
de ordenamento do estacionamento em Lisboa?
Como parece que sim, pode-se comparar o modo de pensar em
relação ao estacionamento, como aquele em relação à legalização da
prostituição, já que não se consegue resolver o problema, vai de o fazer pagar
impostos.
Torna-se o Estado português um proxeneta, e com o monopólio
da metadona, também um ‘dealer’, mas isto é o progresso.
III
O trágico disto tudo reside no facto de haver uma
consciência clara no que deve ser feito, mas falta de vontade política, ou
melhor, não interessa a muita gente com poder de decisão, neste sector da vida
pública, como noutros.
O que nos leva a confirmar, em Portugal, a resolução do
problema nunca é solução.
É preferível continuar a ter níveis proibitivos de
degradação do ambiente e das estruturas, no ar e no ruído, que resolver a
situação e perder a renda das multas e das senhas dos parquímetros.
Como estamos, pinga dinheiro para a autarquia e para os
gestores. Resolvendo, só ganharia o público em geral.
Desincentivar a entrada e circulação de ligeiros na capital
implicaria um avultado investimento em acessibilidades, edifícios multipisos de
estacionamento gratuito, e uma rede de transportes públicos digna desse nome, e
não assente no transporte rodoviário, que deve sempre ser o complemento do
transporte sobre carris, verdadeiramente vocacionado para o transporte de
massas.
Dirá o neo liberal hodierno, que não há dinheiro para coisas
à borla como o estacionamento para os gestores da EMEL, e também que o resto do
país não deve pagar pelas benesses de Lisboa tanto quanto os lisboetas não
pagam as scuts noutras regiões, e isto independentemente das inúmeras
apresentações de estudos acerca da incomportabilidade ambiental para a vida das
pessoas que acabarão a pagar duas e três vezes mais de forma directa e
indirecta.
O estacionamento em Lisboa é tão caro, que se paga mais numa
meia hora na Avenida de Berna, que num dia inteiro no Entroncamento, e só um
cidadão desatento pode pensar que é para evitar que as pessoas do Entroncamento
venham para Lisboa com o carro.
Estes bairrismos portanto, não devem ser alimentados, Lisboa
rende, logo o lisboeta é explorado. Existem baldios, mares de lama no Inverno e
de pó no Verão, onde a autarquia não teve meios financeiros ou planos para os
locais em questão, mas antes os ‘rentabilizou’ colocando parquímetros topo de
gama, marcas imponentes da preocupação ambiental da autarquia governada por um
não eleito democraticamente, e que portanto não confirma os votantes como ‘parvos’.
Onde não pode a EMEL omnipotente colocar parquímetros, a
autarquia autorizou a táctica musculada
de colocação de sinais de proibição de paragem e estacionamento, que
impossibilitem o estacionamento gratuito, além dos lugares preparados para o
efeito, e pagos duplamente pelo cidadão. Tudo parece querer forçar o cidadão a
estacionar onde se paga.
Um exemplo que se pode dar é o da via junto ao Estádio
Universitário de Lisboa, entre o centro hípico e a Faculdade de Letras.
Na berma onde só estacionavam veículos de tracção às 4
rodas, estacionam regularmente agora com o aplanamento, outros veículos.
Primeiro a autarquia tentou evitar o estacionamento
colocando lancis a meio da estreita via, o que levou a um coro de protestos por
causa dos inúmeros acidentes causados. Depois tentou, ainda com dinheiros
públicos, inclinar a berma de forma a impossibilitar o estacionamento, mas de
novo o aplanamento de alguns mais teimosos levou ao desfecho final, bastou vir
a EMEL com sinais de trânsito e uma carrinha cheia de bloqueadores para
terminar um estacionamento furtivo, mas que em nada prejudicava a circulação,
ou seja, o critério seria mesmo o de forçar o estacionamento legal e taxado do
qual os condutores fugiam, pois justamente ninguém quer pagar.
O que chateia à EMEL não é o estacionamento esteticamente reprovável
sequer, mas a não cobrança da ocupação desse espaço.
IV
A EMEL é uma empresa que não produz nada, não traz valor
acrescentado a nada, apenas se limita a extorquir dinheiro a partir do espaço
público.
O modelo de negócios desta empresa e de outras semelhantes
baseia-se no princípio da extorsão estatal, que se materializa na rabiscagem de
linhas brancas delimitadoras do espaço na via pública e em máquinas de emissão
de bilhetes coadjuvadas por sinais de trânsito e por fiscais pagos ao frete na
sua missão pidesca.
É portanto também um monumento ideológico em honra da xico
esperteza nacional, bem lustrada em campanhas kitsch delicodoces que visam amaciar a opinião pública e ir
garantindo os lucros para alguns, com essa aceitação.
Veja o cidadão quem gere essa e outras empresas municipais. Assim qualquer um pode ser empresário, não
basta saber, é preciso amigos influentes e legislação a condizer.
Veja o cidadão quem é quem, e de onde vem cada quem, alguns
currículos são públicos.
Veja quem é cada gestor da EMEL, cada acessor e cada vogal,
e percebe-se que a estrutura se repete por todo o país, e que geralmente é um
espaço onde se estacionam, de forma remunerada, alguns veículos bípedes dos
partidos.
Entre outras, a EMEL representa a forma de ver dos nossos ‘estadistas’
para os quais a solução dos problemas se reduz a classificar o cidadão de
contribuinte e cliente.
Esta moda empresarial e metafísica na qual nós provincianos
portugueses somos sempre os últimos a aderir e últimos a largar, circula
livremente desde o gestor ao fiscal de rua, que argumenta com a sua missão
ética de ajudar no trânsito e dar graças
por ter um emprego, sempre com o semblante de polícia desconfiado que já
ouviu todas as desculpas possíveis, e mais uma.
O cidadão prevaricador e cantante não passará a seus olhos
de um prevaricador de 2ª.É vê-los ciclicamente em rondas necrófagas controlando
o tempo e o espaço, alugados de forma a distribuir equitativamente por todos o
milagre do estacionamento.
V
Observam-se moles humanas migrantes, de poiso estacionário
em poiso estacionário para zonas em que estacionar não seja a ‘pagantes’,
forçando estas massas para longe das zonas de castas coloridas com que a EMEL
divide a cidade. É o condutor forçado ou a pagar a uma gasolineira, ou à EMEL
ou aos passes intermodais a preços escandalosos, para poder circular para
dentro da urbe.
Assim, a EMEL não ajuda coisa nenhuma à ordenação da
mobilidade, mas lucra com zonas de exclusão, contra punição pecuniária por causa
de um serviço que em nada contribui para o bem estar do cliente ou da cidade, e
sendo assim, a EMEL é por definição uma empresa de extorsão estatalmente
assistida.
Ergo, já que temos um governo que incentiva o crime de
extorsão, e é até um governo maioritário nesse crime, resta ao cidadão recorrer
por todos os meios e formas à
desobediência civil como forma de luta mais radical de modo a tornar mais
simétrico o esforço de resistência.
O cidadão que não possa ou queira pagar lugares alugados
pode e deve vandalizar discretamente os parquímetros recorrendo aos vários
modos de terrorismo químico e mecânico contra pobres e inocentes máquinas, e
assim, sem parquímetros funcionais não pode a ‘empresa’ extorquir-lhe
legalmente dinheiro.
Relembro que não estará a prejudicar ninguém pois se a ‘empresa’
é pública, também é o espaço que ela ‘rentabiliza’, e que o condutor paga.
O condutor paga já por algo que é seu, portanto está no
direito de estragar o que lhe apetecer, quem sabe o prejuízo seja tão avultado
que fique mais barato implementar um plano franco e lógico de ordenamento
territorial e dos transportes em Portugal…
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