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8.05.2012

A sacralidade do esforço I

Com estes episódios da participação olímpica portuguesa no ano da nossa graça de 2012, e da nulidade de conquistas da nossa comitiva, paira uma interrogação em surdina.




Estaria à espera o português médio, que alguma medalha de reconhecimento externo viesse dar alguma consolação ao peso miserável que sente em ser português no início do século XXI?

A geração suburbana domesticada, envernizada e efeminada que nasceu e cresceu à sombra de uma burguesia de escritório adolescente nos anos 80, adulta nos 90 e senil nos 2000, plenamente integrada na Europa e no quer que seja o ‘projecto Europeu’ -(que passa pelas viagens low cost quando as pontes e feriados permitem ir a Londres tirar fotos para o Facebook ou a Paris assistir a um concerto de artistas que tanto mais valem quanto mais alternativos e difíceis de enquadrar forem, claro está para mostrar aos outros que somos modernos, europeus…)-esta geração espera ser enaltecida através da fraca e esquálida, distorcida imagem de Portugal que acarinham desde a EXPO 98, o Portugal dos campeonatos da Europa e do Mundo de futebol, dos jogos olímpicos, ou dos serôdios e idiotas anúncios de turismo papagueados pelos meios oficiais e com voz off em inglês que se mostram lá fora e cá dentro quando os hoteleiros do Algarve começam a ver que os turistas pés descalços arranjaram uns trocos por melhores pousios…para longe do produto turístico da paisagem e do sorriso.



Não discutindo o carácter inquinado, para não dizer corrupto, que caracteriza hodiernamente os Jogos Olímpicos, verdadeiro campo de batalha ritualizada e fogueira de vaidades, torna-se muito interessante perceber a argumentação do português médio, acerca dos apoios dados ao atleta olímpico. Percebendo os argumentos utilizados, percebe-se o que se passa na sua cabeça, como vê o mundo, e isso não é resultado que se menospreze.



O que se ouve nos cafés, é que só devem ser apoiados os atletas que trouxerem medalhas ou os que ‘derem o litro’.

Ouve-se também que não devem ser apoiados porque fazem vidas faustosas de vida fácil à custa do erário público, e que ‘se eu tive de trabalhar desde os 14 anos e não me fez mal nenhum, eles que verguem a mola e se querem fazer desporto o façam nos tempos livres’. Os cafés nacionais são pródigos locais de recolha para quem quer apanhar pérolas argumentativas deste género.

Também se encontram os defensores, os mais incisivos dos quais são os próprios atletas. Que não é fácil ser atleta de alta competição, exige um esforço tremendo, que as compensações não são diferentes, e mais sabe-se lá o que.

E é verdade.

Mas não o é só para os atletas…que dizer dos pintores, bailarinos, músicos, escritores e toda essa corja que aguarda sedenta e com dentes vampíricos, a possibilidade de arrefinfar as dentuças na tenra carne dos impostos cedidos pela população para usufruto e consolidação do bem comum? Corja de marialvas que querem viver no bem bom à conta do mexilhão…



O importante para mim não é saber se devem retirar dinheiros públicos para comparticipar o que quer que seja que acham que enaltece o meu país.

E qualquer atleta português enaltece o seu país.

E por isso merece todo o seu apoio.

Para mim o importante, é pensar na questão de princípio por detrás do vil metal.

Um país que contribui para o seu próprio enaltecimento é como uma mulher que se embeleza, sem fim prático em vista que não o de ficar mais bonita ainda. Demonstra para si mesma afectuosamente o seu amor próprio.



É interessante pensar que um bom calceteiro também enaltece o seu país.

Que se calhar muito calceteiro que nega subsídio ao atleta, o faz em parte porque um espinhozinho lá bem fundo escondido no seu sentimento de dignidade lhe lembra que não lhe dão o devido valor.

Porque não é também o calceteiro apoiado?

Porque não existem olimpíadas da construção civil?

Ou simplesmente porque existem actividades humanas que os humanos valorizam mais?

Se é certo que demoram anos a desenvolver uma atleta como a Telma Monteiro ou o Nuno Delgado, anos para aparecer uma Rosa Mota ou Carlos Lopes, também não deixa de ser verdade que um bom calceteiro também exige anos de actividade.

O Nuno Delgado ver-se-ia aflito a calcetar o mais minúsculo passeio, e o Phelps exclamaria ‘Damn!’ se lhe pedissem para calcetar vinte metros de calçada à portuguesa à meia esquadria com losangos em basalto, tal e qual como qualquer iniciante de calceteiro, e como os primos, os trolhas ou pedreiros.

Poder-se-à dizer que uns vão além dos limites da resistência humana e do corpo e etc., mas os poetas também vão além dos limites da linguagem, e morrem pelas ruas ébrios como pombos atropelados por táxis, e ninguém se rala.

Não é portanto o grau de dificuldade ou de formação do perito, mas a importância que a comunidade dá à actividade.



Os desportos começaram como actividades práticas que se foram cristalizando em simbólicas, por exemplo, o salto à vara parece mesmo mesmo o acto de passar um canal a varapau. O Judo parece-se imenso com uma arte marcial.

A constelação da ginástica desenvolve corpos e rituais onde se harmonizam movimentos e músculos, mas que são inutilizáveis pela maioria da população no seu dia a dia.

Os desportos especializaram-se, adaptaram-se às regras, e tornaram-se não num hino a si próprios, mas às nações de atletas profissionais, que dão corpo a manifestações públicas de enaltecimento num palco mundial da maquilhagem.

Os desportos competitivos tornaram-se simulacros de si mesmos, e os atletas marionetas das sociedades.

Longe vai o tempo em que o atleta era considerado pela abnegação em dedicar-se a uma actividade que não lhe trazia retorno material, só por carolice.

Por paradoxal que pareça, nessa época nesses bons velhos tempos, a prática desinteressada era mais valorizada socialmente, e logo era também um incentivo.



No palco mundial do desporto, os jogos olímpicos são um palco mundial de vaidades nacionais. As corridas às medalhas são então ridículas. O desporto é um meio e não o fim.

Vi um excelente judoca gaulês, com mais de dois metros e 140 kg de peso, ganhar uma medalha de ouro.

Para que raio precisa um homem desta envergadura, de praticar Judo?

Não há aqui qualquer coisa de estranho em relação ao que pretendia Jigoro Kano?



De 4 em 4 anos as nações continuam a financiar os seus atletas, para estarem presentes e ganhar. Como se fossem os jogos, um barómetro do grau de evolução do país ou cultura, ou da vitalidade de um povo.

Se assim for, Portugal, este ano, ou está parado, ou morto. Até agora nem uma medalhinha.

E no entanto há quem continue a achar que o apoio dado ao desporto é um desperdício…como o dado à educação ou o dinheiro gasto nas forças armadas.

Se é para participarmos, ou fazemos isto com gente que nada recebe e só o faz por carolice, ou então tem de ser tudo apoiado a 110%.

Sem meio termos…com meios termos ficaremos de novo a meio de lugar nenhum.

Apoio total significa não ser condicional, significa não exigir. Significa encarar o desporto como algo valioso por si mesmo, e parte de um projecto civilizacional mais amplo.

Significa apoiar mesmo aqueles que mesmo sem vocação ainda assim contribuem para o prestígio de todos.

Nem tudo está mal. Apenas o mais importante. A mentalidade.

Não apenas dos atletas, mas do público que financia este esforço conjunto.



Exigem ao atleta o retorno do dinheiro que é dado ao atleta para fazer de marioneta para enaltecer a vontade de quem lhe paga.

Puerilmente, se o atleta falha o alvo, como é humano, e arredado do dinheirinho.



Isto dá uma péssima imagem do Estado. E por consequência do cidadão.

O desporto não é uma ciência exacta…Se em dez apoiados, um vingar, isto é trouxer medalhinhas, isto não é optimismo, é ficção.

O fraco apoio, condicional do ‘sem medalhinhas não há apoiozinhos’ deita por terra toda e qualquer fidelidade a um Estado que não é possível de respeitar, e que até se ressente.

Este é o Estado merceeiro, que oscila entre o ‘Deve’ e o ‘Haver’.

O Estado merceeiro é acompanhado pelo povo taberneiro, que debate nos cafés os critérios dos gastos dos seus impostozinhos, afincadamente e com galhardia estes assuntos de maior importância como o desporto, embora passe o resto da vida ignorando activamente para onde vai ou o que é feito ao dinheiro que lhe é extorquido diariamente pelo Estado para rotundas pré eleitorais, PPP’s, leasings automobilísticos e imobiliários, e mesmo bancos falidos.

O povo taberneiro quer acabar com a boa vida dos desportistas de alta competição tirando-lhes os subsídios, toma toma, pois os sacanas só querem é boa vida e andar com as costas ao alto, um pouco como os estudantes que só querem é copos e borga e passear os livros e que para vergar a mola tá quieto.

Só assim se compreende a tão resignada forma de pastar do ‘povo’ perante a austeridade amarelecida e virulenta.



No fundo o ‘povo’ projecta nos outros o que de si pensa, e a forma de castigar quem não lhe mitiga os complexos é uma catarse para os seus próprios defeitos, feita através da sonegação dos apoios que para si próprio não acha merecidos.



Desportivamente é assim Portugal, uma mulher feia que se maquilha sem confiança nos cosméticos e envergonhada por se sentir tão feia, mas que ainda assim, por um acaso de sorte ou de orgulho que teima em morrer, alimenta a esperança de ir ao shopping brilhar ao nível das outras.



A todos os atletas portugueses, olímpicos e calceteiros, o meu muito obrigado pelo vosso esforço em nosso nome.

3.30.2012

Conjugalidade deficiente e reprodução social




Aspiro a que o meu país inaugure um novo caminho histórico. O meu país é Portugal.
Não é a Europa, nem um mundo global, nem uma região em particular nem muito menos uma qualquer agremiação política, como por exemplo o cancro deste país, que são os partidos políticos.
Julgo que o poder, e quando me refiro ao poder, refiro-me à gestão da coisa pública, deve ser exercido de forma a que todos possam ter condições para o fazer. Há mais escolhas para além deste sistema político bipartidário, com um Parlamento sobredimensionado, e esvaziado de representatividade.
O povo que decida.
Será?
Um olhar pela história nacional, não mergulhando nas especificidades de cada época mostrará que o Parlamento português actual, não é mais que a perpetuação das cortes monárquicas, desde a fundação da nacionalidade até ao pós 25 de Abril. Tem-se perpetuado o mesmo sistema de classes, a coberto de nomes como ‘meritocracia’, e ‘confiança política’.

Deixa-se morrer a noção de estrita igualdade, potencial e real, e com ela morre o cidadão e nasce o contribuinte. A soldo do ‘povo português’.
Que complexo de inferioridade civilizacional é este impregnado na mais velha nação europeia, que faz observar pelos séculos uma contínua espoliação por parte das elites da maioria da população, que se canibaliza cada vez mais a si mesma, com a desconfiança de contribuir para a felicidade alheia dos seus iguais, enquanto os grandes carteiristas a roubam até da dignidade?

Um dos mecanismos utilizados pelos políticos profissionais é a técnica da ‘relação conjugal falhada’. Os governos sucessivos, desde a invasão bruxeleante de dinheiros comunitários têm usado esta táctica que consiste em projectar uma insondável complexidade da mesma, e nela os parceiros não se suportam mas por comodidade ou por outras razões que possam ser convenientes, não se separam. Dizem sem saber e para que não se saiba, ‘É muito complicado.’ – As políticas e alternativas aparecem a essa luz também, ou seja, os governantes dizem que de outra forma é complicado, complexo, seja porque não sabem como e porquê ou porque não querem que se saiba, pois o que garante a longevidade do político profissional é a ignorância do eleitor.

Dissolver o parlamento?Proibir os partidos políticos?
É muito complicado.
Aumentar a escolaridade obrigatória e acabar com as diferenças sociais?Muito complexo.
Fora da partidocracia?Complicadissimo…
Dentro da partidocracia? Complicado…

Ou seja, todo o exercício político se apresenta como uma difícil tarefa não em razão daquilo que o cidadão sabe e tem de fazer, mas exactamente por causa do ignoto insondável, que lhe faz crer que nunca saberá uma forma de ajudar a um bom governo.
Aparece assim a conjuntura politica nacional actual, como um mecanismo de elevada complexidade, em que todos estão mal, menos alguns, mas que qualquer alteração ou divórcio são de evitar, porque há que manter o casamento, em nome da ‘serenidade política’, dos mercados, dos pactos de regime e de outras desculpas de amantes adúlteros.

1.24.2012

So, you think you can snitch

Miguel Gonçalves, o  ‘Punhetas’ (para os amigos)

Disclaimer, ou aviso à navegação:


    Os autores deste texto declaram absolutamente nada terem contra, o jovem Miguel Gonçalves, a ‘Spark’, Shark ou qualquer projecto deste tipo, ou qualquer coisa que os valha.
O motivo que anima a nossa análise é a pura observação sociológica ao nível de discurso e padrões de comportamento dos visados, e qualquer frase ou expressão menos ortodoxa será apenas um exercício de estilo literário destinado a adornar a composição e torná-la menos entediante e fastidiosa, e não significa de modo algum um atentado à dignidade e bom nome dos visados, que não é de perto ou de longe a intenção do texto.

I-    A mensagem

Punheta, substantivo de acção praticada com o punho.
Quando se bate punho, bate-se uma punheta.
No vernáculo erótico a punheta é um acto libidinoso, pouco ou nada passível de concepção, ou seja, no âmbito reprodutivo, a punheta é um acto estéril.
Estéril, pouco eficaz reprodutivamente, mecânico, ritmado, vigoroso q.b., mas sem originalidade.

1)    Surgiu no último Verão, um sucesso nas pistas de dança da burguesia civilizada, um conjunto de vídeos cuja vedeta é um camarada de nome Miguel Gonçalves.

Ao mais de meio mundo que viu os vídeos, outro meio se juntou a exultar  a cura para uma suposta enfermidade de que Portugal padece.
O tom enérgico e contagiante, a indigência de complexidade de ideias tornou este magro mancebo num greatest hit.
Aliás, um grande batimento (Pitch) é também alusão a um projecto, (…) de sua autoria e colaboração, o So, you think you can pitch, que  visa revolucionar a forma como o aspirante a qualquer emprego aborda o magnânime facultador do mesmo, ou seja o empresário.

Advertimos desde já o leitor interessado que é necessário ser bilingue para perceber metade da parafernália linguística que aparece nos sites, vídeos do youtube e textos em que este formado em Psicologia colabora. Mas bilingue que tenha aprendido inglês em Portugal numa acção de formação de assistente de call center…pois nem um súbdito de sua Majestade ou sobrinho do Tio Sam conseguiria descodificar  tanto palavrão usado para dar uma impressão de complexidade pseudo-técnica na verborreia utilizada…quer nos websites, quer nas apresentações do próprio animador Miguel.

Fora do cubo, vá lá, outside of the box, mapas sushi cycle, take away talks e tantos outros  termos pseudo-técnicos com tradução bairrista, revelam claramente o aim, perdão, target, perdão… alvo desta acção de venda, pois não se trata de outra coisa.





2)    As empresas em Portugal, de forma geral são empresas de tipo decalque. Quer isto dizer que são empresas cujo modelo de negócio assenta numa base de observação/mimetismo, em português miúdo: quando alguma  se safa, umas 7 ou 8, ou 20 ou 30 surgem, consoante a versatilidade  do mercado em que se inserem.
É a chamada tascalogia ou ‘lógica dos cafés de esquina’ e que se baseia no seguinte silogismo.
P1- O Chico/Zé consegue safar-se na vida com o café que abriu.
P2-Eu não quero ninguém a mandar em mim e quero safar-me.
Conclusão – existem quase tantos cafés de esquina em Portugal como frequentadores dos mesmos.

As PME’s portuguesas surgem quase todas no estrito respeito deste silogismo comercial.
Passando ao lado das questões que se levantam acerca da vontade de ter um negócio próprio e engrossar as fileiras das PME’s, a realidade social hegemónica decorre nos cafés nos quais a maior parte da população aproveita para ir tomar um café ou uma mini e comentar as complexas ideias passadas pelos telejornais de péssimo jornalismo repetido durante mais de uma hora. É nesta lógica que surge o contexto da maioria empresarial portuguesa, pois um clube de campo ou salão de maçonaria mais não é que um café de esquina com mais algum requinte.

O nosso contexto, português, surge assim na utilização do vizinho como barómetro. Se está a dar para ele vai dar para mim, e assim se inunda o mercado com ‘competição’ que seria boa para o cliente não fora os fenómenos marginais de corporativismo, cartelização ou política do preço baixo, pois na hora de as nossas empresas se tornarem competitivas, simplesmente baixam a qualidade dos produtos e despedem pessoal, para acompanhar a baixa dos preços. Quem sofre no fim, ou melhor, quem paga, é sempre o cliente final. Isto é assim, geralmente, e claro que há excepções, mas são apenas residuais.



3)    Mas não é a cafés que o Miguel quer vender o peixe. É às médias/grandes empresas, ou às suficientemente abonadas para deitarem dinheiro fora julgando que apostam numa ideia de falsa inovação. É para as médias, grandes empresas que usam técnicas e termos técnicos mais elaborados, como coffee break em vez de ir tomar a bica/cimbalino, ou usam terminologia como outsourcing em vez de contratação de senhora de meia idade para limpezas.

É para as empresas que têm de apresentar horas de formação preenchidas com lavagens cerebrais e verdadeiras campanhas motivacionais para a vida, para a abnegação e entrega luterana ao trabalho, que Miguel e ‘cooperators’ se viram.

O jargão só funciona nessas realidades pois é nelas que reina, como qualquer telefonista, perdão, assistente de call center sabe, bastando lembrar-se do percurso formativo que recebeu até começar a receber chamadas.

O jargão só funciona ou para quem lida com ele numa base regular, ou para quem não o conhecendo, lhe confere significados druídicos. O que torna fascinante este assunto, é que de facto as empresas e sociedades sentem necessidade  de motivar para o trabalho, seja como forma de motivar as pessoas quando estas, por motivos variados começam a perceber que placebo de vida se tornou a sua. Isto em empresas a partir de determinada dimensão, e sociedades de determinado grau de complexidade e industrialização.


4)    O que vende Miguel?
O mesmo que qualquer empresa de trabalho temporário, perdão, empresa de outsourcing. Com o extra de que não tem de se ralar com o expediente de uma destas empresas, pois o Punhetas (batedor de punho), e restantes partenaires, são ‘criativos’ e não carregadores de piano, e por isso não arcam com o trabalho de ter uma estrutura que fornece um contingente contínuo de funcionários que nunca (ou muito muito remotamente possam ser) serão funcionários da empresa contratante, que não quer chatices com descontos indemnizações, seguranças sociais, renovações de contratos e outras coisas entediantes. Miguel também não quer.
Miguel e partenaires apenas querem servir de intermediários, estando a salvo deste infernal ciclo, vivendo nas boas graças dos patrões, mas não sendo os escravos empregados, nem sequer chegando a ser capatazes, a não ser uns muito negligentes no trabalho. Querem acções de formação ministradas a peso de ouro, bufando-se para empregadores sobre os canais de vendas da mercadoria humana que ensinam a submeter-se na lógica do ‘mercado’.
Mas não se pode dizer isto assim.



As ‘empresas’ ou ‘projectos’ do Miguel, visam de forma criativa (leia-se, com penteados exóticos e um relógio colorido em cada pulso e sapatilhas a condizer) colocar pessoas que vendem trabalho com olhos nos olhos com os empresários, verdadeiros heróis do século XXI. Oh sacrilégio, oh audácia.
Olhos nos olhos com um empresário?...Como é que alguém é capaz?
Um empresário pode mudar a vida de uma pessoa, nem que seja oferecendo-lhe um computador.
Diremos mais, nem que seja financiando campanhas eleitorais ou oferecendo novos rumos na carreira profissional de empregados despedidos graças a cupidez ou má gestão. Mas isto são outras núpcias.

Além dos exagerados encómios à classe à classe empresarial, (bem patentes no vídeo do Prós e Contras, em que no fundo um empresário de braços cruzados não sabe se ri se mantém cara séria tal não é a graxa que o vai cobrindo), no fundo àquela que mais proventos parece prometer, além de cobrar  pela psicologia barata que ministra em workshops para desempregados e empregados desmotivados, Miguel espalha confiança, energia.



O seu discurso é eléctrico, empolgante, motivador. Como todo o discurso de um bom demagogo.
Os seus apelos a ‘bora lá’, ‘até os comemos’ e ‘não nos podemos desmotivar’, são bacocos e idiotas.
Como outros semelhantes. Não só pela questão  de empregabilidade por áreas.

Se um empresário precisa de um torneiro mecânico, não cremos que se deixe convencer pela capacidade de um torneiro mecânico em se vender a si próprio.

A ideia subjacente a todo o modus operandi destes ‘inovadores', e que motiva este texto, é que tudo isto é uma luta, e que só lá vamos com o arregaçar de mangas.

Afinal, a pura força de vontade, e competência técnica que desta parece decorrer, é suficiente para superar as parolas nações setentrionais, que desde sempre fizeram colossais investimentos em educação e ciência…perdão quantidade biblícas de investimento no Ensino…ensino que deve ser vocacionado para o negócio, conforme a perspectiva do Miguel, que no caso português é quase exclusivamente de serviços.

A pura força de vontade e arregaçar de mangas, ou comer muita broa, como a naturalmente imbecil performance de Fátima Campos Ferreira traduz o ‘bater punho’ do Punhetas, são suficientes para competir e ganhar, de igual para igual com o colosso chinês e sua assimetral força de trabalho barata. Até se dá o exemplo do navegador quinhentista português, que com o desenrascanço lá levava o navio de bandeira estrangeira, numa profunda ignorância do Punhetas no projecto realizado previamente ao nível da tecnologia e investimento científico nos Descobrimentos portugueses. Dá até o exemplo de um país ‘muita bom’ no qual se dão portáteis às crianças como se isso fosse garante de grande investimento além de uma distorcida ou redutora visão de progresso além do ter e do saber.

Para o Miguel isto são apenas peanuts. Força de vontade e vamo-nos a eles. Contra os calões marchar, marchar.



5)    A maioria das empresas citadas pelo Miguel, são modelos de negócio de cafés de esquina, ou seja pequenas empresas que surgiram quando havia subsídios, até para o gel de mãos contra a gripe das aves. São uma espécie de dotcoms portuguesas que gravitam em torno das grandes (à escala portuguesa) PT’s, EDP’s, Galps e quejandas.
São paliativos contrafeitos de software para front e backoffice, que surgem em teses de licenciaturas e mestrados que emergem no cluster da UTAD, da qualidade do ensino superior da Universidade do Minho, que pelos vistos não prepara para o mercado de trabalho…
Estes exemplos de empresas que querem ser a Google, e que vendem quantidades bíblicas de software, não se sabe para onde, são serviços, portanto.
Serviços, serviços…resumindo, serviços.

Vamos a eles cambada, batendo punho ninguém nos para nos serviços. Pena que os serviços são a área mais vulnerável de qualquer economia.


6)    Oportunidades de negócio, joint ventures entre empregadores e empregados, é o novo mundo prometido.
Até a luta entre proletário e capitalista se esvazia de conteúdo, com ambos olhos nos olhos desempenhando uma dança igual ao desfile de um casting de um qualquer programa de talentos em que o empregado wannabe desfila defronte do potencial empregador mostrando os seus dotes de venda de si próprio e  ou de um alter ego que criou para passar a ideia de que é uma mais valia capaz de gerar receitas para o omnipotente empresário, mostrando a sua capacidade ‘de comer broa’, como bailarina de varão que ao mesmo se agarra com força, com punhos e dentes.

Claro que o varão simboliza a prosperidade do patrão, e por arrasto, a do empregado.


7)    Na minha modesta opinião, os discursos de Miguel, bem espremidos pouco mais que nada deixam beber. Apelam mais à emoção que ao exercício de raciocínio, que facilmente os desmonta. Atenção que a este exercício de pensamento, o Miguel apelida de ‘tábua nas costas’, pois tudo o que se oponha à atávica abnegação, e falar mal, ser do contra, ser velho do Restelo, ser negativista ou pessimista. Mai nada.
A indigência do pensamento neo liberal, cuja ideologia o Miguel deve ter apanhado enquanto estudava obras do tipo de ‘Como agradar a empresários em 30 minutos’ ou ‘Como fazer amigos influentes’, revela-se com lapidar  clareza na identificação do Curriculum Vitae, com canal de vendas.
A história da vida a experiência acumulada, deixam de fazer parte de um testemunho mais largo de âmbito, para se restringirem à função de tornar cada sujeito uma mercadoria de si próprio.
‘Ó cum carago, então se queres trabalhar, só com empresários que te dão emprego moço.’


A base de toda esta convicção está exactamente na aceitação e integração da total necessidade de uma sociedade capitalista na qual a competição por um trabalho é ponto assente, e a reificação da experiência de cada um, totalmente inevitável e desejável, num movimento de prostituição laboral e de personalidade dado como adquirido.

8)    O Miguel não é um jovem de ideologias. É um jovem de ideias.
O Miguel não é um jovem de reflexões. É um jovem de acções.
No programa ‘Prós e contras’, da RTP1, causou-nos estranheza ninguém perguntar ao jovem Miguel que vive em dois fusos horários, onde trabalhar, onde trabalhar com a convicção que o jovem aconselha. Nos serviços? Que fazer a dezenas de milhar de trabalhadores de meia idade que não tiveram possibilidade aprender a mexer no Magalhães enquanto enfiados em linhas de montagem fabris, nas muitas fábricas de multinacionais que fizeram de Portugal a China da Europa até à abertura cada vez maior dos mercados… Vamos mandá-las bater punho Miguel?
O jovem lá testemunha casos onde os patrões lá desabafam que não têm pessoas com vontade de trabalhar, de bater punho, com qualidade. Está resolvido o problema da nossa economia, não é um problema estrutural  decorrente do facto de nos termos tornado um país de serviços e importador. Nada disso.
O problema é que afinal estamos desmotivados e pior temos um problema de mentalidade, que o genial Miguel e partenaires descobriram numa viagem que fizeram em meia dúzia de meses pelo Oriente.
A mentalidade de resistência que o jovem denomina de negativismo, não é de todo um efeito de uma exploração centenária e descontentamento com a apropriação do espaço de decisão público por elites e castas privilegiadas.
Nada disso, para o Miguel, somos pessimistas porque não somos como os outros, os da optimista globalização, porque não arregaçamos as mangas porque estamos conformados com a nossa menoridade (não queremos arriscar) e no fundo porque somos calões, por isso não batemos punho.





9)    Miguel baseia-se em técnicas óbvias e basilares de Programação Neurolinguística, ou psicologia de vendas. Tão óbvias que parecem decalques de um livro.
A sua mensagem é a já indicada ‘contra os calões marchar marchar’, e a sua ideia de educação superior, é a de que a mesma deve estar sujeita às leis de mercado, pois como vimos o Punhetas acredita, piamente, que só há uma forma de estruturação social e económica.
As reacções muito positivas que tem obtido por toda a net, assentam nestes dois pressupostos: a) A sua qualidade como demagogo motivador e b)a partilha  generalizada da univocidade do mundo ou das mundividências.
Miguel não tem uma agenda política, nisso é honesto. Não divulga nem esconde o desejo de ter uma sociedade melhor. Apenas quer melhorar esta sociedade no quadro de um nicho de mercado que quer reservar para si, como o futuro empresário de um café de esquina, que quer singrar na vida. Quer muito modestamente um lugar ao sol.


10)    Fátima Campos Ferreira, apelida-o mesmo de ‘revolucionário’, numa grossa falha à verdade na qual ela revela a sua ignorância do significado do termo utilizado, e ele, da utilização de uma mesmíssima sopa reaquecida.
Oferece o mesmo caminho de sacrifício abnegado à lógica autotélica do mercado e do trabalho. Contra os canhões marchar, oferece uma mudança da mesma mentalidade, que é e continuará a ser a razão do nosso descontentamento, pois é a adesão a um modo de vida que não controlamos, e que dispensa o uso da razão, e no qual todos ralhamos cada vez mais com cada vez menos pão.
Mutatis mutandis, o vendedor de aspiradores, Miguel, deixou de dizer que o aspirador aspira, e passou a dizer que é uma máquina mágica que faz todo o pó e lixo entrar para dentro do tubo de sucção.


II-    O mensageiro
O Miguel era mais um jovem amargurado com a escolha académica que fez, ao que parece a Psicologia, e parecia condenado ao insucesso de ter de trabalhar como repositor numa grande cadeia de retalho ou como telefonista num call center onde teria de bater punho às queixas e desconsiderações de clientes negativistas e que deixam uma pessoa cansada, parecendo que levou com uma tábua nas costas.

Mas muniu-o a natureza com uma electricidade que ganhou num banho, e tornou-se empreendedor/criativo/empresário de sucesso, contrariando um pouco o seu discurso que diz que as universidades pouco ou nada preparam para o mercado de trabalho.
O Miguel é uma excepcional excepção, tem uma chave de fendas enorme, na manipulação da linguagem, e dos lugares comuns, tornando-se num grande interlocutor e um caso emblemático de como forma uma faculdade de Psicologia, um motivador, um leão a falar em público.
Mesmo que pouco ou nada se aproveite do que diz.
Mas o conteúdo não interessa, a motivação vem de uma resposta emocional e não conceptual, e neste contexto,  o Miguel é um dos melhores vendedores que já vimos em acção.

A sua aparição num programa televisivo de entretenimento despoletou uma verdadeira febre de acesso e partilha dos vídeos que protagoniza, sendo tratado por muitos como profeta ou visionário, e por outros como vendedor de banha da cobra, mas de excelente qualidade…o vendedor.



‘Bater punho’ foi mesmo a expressão que ajudou a celebrizar o enérgico jovem, e a dar um pouco mais de visibilidade  mediática ao cluster cosmético de happenings que ocorre em Braga, e cuja função é dar uma ideia de grande dinamismo , bem como mostrar à sociedade em geral que no anonimato operam pequenas grandes empresas de sucesso, sem se questionar a fundo essa ideia de ‘sucesso’.

A glorificação da vontade de trabalhar seja pelo salário que seja, mesmo  o mais baixo, e da paixão de se fazer o que se gosta, desde que seja devolvido em capital, são os dois mantras deste jovem.
Esta expressão de bater punho, é tão repetida, que supomos que todos os amigos de Miguel o tratam carinhosamente de ‘Punhetas’, liberdade que tomamos amigavelmente também.


A nossa sociedade, a portuguesa, precisa de jovens enérgicos assim, para o tecido empresarial, como para castings dos morangos com açúcar.
Em vez de jovens pensantes e com espírito crítico, este modelo projecta e glorifica os chicos espertos que sob uma capa de verborreia e cosmética de inovação nada mais pretendem vender que os seus semelhantes, a outros. Perdão, ajudar uns e outros a ganharem mutuamente, uns bons empregados, outros bons empregos.

Não nos julgamos iluminados, pelo menos tanto quanto os Migueis deste país, mas decidimos avançar para este pequeno texto por acharmos estranho, pouca gente ter manifestado opinião semelhante, pelos meios de comunicação.

So you think you can snitch?



ver:

http://www.sparkagency.pt/