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8.14.2011

Vai para o trabalho (II)

Parte 3

I


Achamos que as massas foram vitimas de uma manipulação ideológica que aproveitou profundamente as nossas características biológicas e psicológicas que nos transformaram em fanáticos agressivos que reagem sempre contra a ideia da possibilidade de um outro mundo, que defendem o carácter sagrado do trabalho, como se este fosse um valor moral, norteador de sucesso e progresso.



A tal servidão é voluntária, tanto quanto é acarinhada.

Para as massas, fora dela, existe o caos, a anarquia, pois a civilização (dizem os ideólogos) só surgiu através do trabalho, e que quanto mais um indivíduo se consumir por completo em trabalho mais ‘longe’ irá a civilização.





Para quem está atento, assiste-se na análise da História a avanços e retrocessos constantes e regulares, no que concerne à evolução social da nossa espécie.

Cada vez mais e pela primeira vez na História, a Humanidade vai-se libertando através da técnica das condições materiais que a condicionavam, apenas para se autocondicionar de novo.



O progresso social retrocede para o sentido das primeiras populações que alimentavam a Inglaterra que assistiu aos primeiros engenhos a vapor.



A bóia que é lançada ao náufrago, ajuda como âncora, pois os milhões no desemprego assistem à inevitabilidade do desregulamento do código laboral, e de todos os avanços conseguidos previamente, tudo para aumentar a empregabilidade e revitalizar a economia, alinhando a mão de obra pelo nível dos desgraçados trabalham a troco de uma taça de arroz.





O cidadão vê-se assim, também, desprotegido laboralmente.

Como reage?



A sua reacção abrange 3 comportamentos mais comuns:



1) abnegação em trabalhar mais e dar o exemplo para que outros façam o mesmo;

2) assume uma identificação osmótica com o seu trabalho;

3) desenvolve uma coerção e hostilidade para com quem não quer ou não pode trabalhar.



O fundamentalismo do trabalho é propagandeado por todos os meios possíveis. As próprias pessoas, ébrias de uma superficial riqueza, não querem voltar atrás. Não querem estar impedidas de trocar de carro de quatro em quatro anos, querem continuar a ter toda a ‘liberdade’ para os consumíveis electrónicos da moda que são disponibilizados a conta gotas por meia dúzia de empresas que institucionalizaram a ‘obsolescência embutida’, que é tomada pelas massas como consequência do uso dos objectos.



Não querem abdicar da Playstation, ou pelo menos do seu progresso regular de versão em versão, mesmo quando dois terços do planeta passa fome, precisamente para que um terço possa ter acesso a estas riquezas superficiais.

O cidadão comum que sonha com um mundo melhor, sonha com playstations para toda a gente e para com a expansão deste universo alternativo a outros, a toda a gente.





A imaginação afogada por uma ideologia popular tecnocrata, não consegue vislumbrar propostas de solução a ter para com os problemas presentes, quanto mais para alternativas futuras. É preocupante quando a própria juventude não quer nem consegue imaginar um mundo futuro diferente.

É geralmente um sintoma característico da embriaguez.



O colapso do trabalho implica necessariamente o colapso da sociedade capitalista.

Não se constituiu até hoje um único movimento de massas, e até o movimento originado em Março, em Portugal, tinha menos que ver com uma reforma radical da sociedade que com uma justa reivindicação salarial de pessoas que se viram despojadas do reconhecimento social que esperavam obter com uma licenciatura.



As reacções existentes à crise, timidamente, (porque pura e simplesmente ninguém sabe o que fazer) lá pretendem uma regulação estatal da sociedade da mercadoria, mas não a sua abolição ou aniquilamento.

Tal ainda é visto como impossível.

Nem que se tenha de implementar uma administração autoritária da crise tal e qual um governo fantoche, implicando já uma concretização de política económica ultraliberal por parte do governo recentemente eleito (!), a partir de promessas de mais trabalho, coercivo e forçado, sob máscaras de impostos mais pesados, e aumento da carga horária sem compensação salarial.



O trabalho é o cadáver que domina os ventos da ‘globalização’ que traíram as suas melhores promessas e que não passam de aragens bafientas. Nunca como hoje a sustentabilidade ecológica do planeta esteve tão em perigo, nem se travaram tantas pequenas guerras, que no somatório de vítimas encoberto pelos meios de comunicação, se assemelham a grandes conflitos à escala global. Encobrem-se os levantamentos de povos como a Revolução Islandesa, e outros, pois tal não seria bom para as sociedades que defendem que isto é o progresso.



A capacidade ou incapacidade de vender a sua força de trabalho é o requisito perante o qual o ser humano se torna marginal ou supérfluo.



Quem não trabalha não come, é o mote moderno.



O trabalho e a sua ideologia dominante, determina os conceitos, os valores morais (quantas vezes não se ouve que fulano é boa pessoa, muito trabalhador, como se fosse isso um valor sobre o seu carácter) e os comportamentos dos indíviduos.

Mesmo os indigentes interiorizam que é melhor ter qualquer trabalho que não ter nenhum, e os que não conseguem nenhum, encontram justificada na sua culpa, a sua condição humana. Ou seja o pobre e o miserável são-no porque não arranjam emprego, assumindo-se o cidadão moderno como o epitáfio de todas as civilizações passadas humanas, é que sempre houve miséria, mas hoje em dia descobrimos que só existem miseráveis, porque não querem ou não podem trabalhar.

O miserável, portanto, merece a sua fortuna e miséria.



As limitações do trabalho, da sua necessidade na vida dos indivíduos e das comunidades que vivem dos serviços é essencialmente um problema subjectivo dos excluídos, de acordo com a natureza delirante da consciência contemporânea.





O trabalho tornou-se obsoleto. Anda-se apenas a moer a rosca, presentemente.



Os gestores, economistas, políticos incompetentes, perante a própria corrupção e ganância, exigem reivindicações exageradas, acusam de falta de disponibilidade e falta de flexibilidade como as causas para o estado desta casa onde não há pão nem razão, e onde todos ralham.



Agarremo-nos todos ao remo do sacrifício, e abnegadamente rememos, não interessa saber para onde, a saída só pode ser a remar, quem não o faz que morra, desde que não viva à nossa custa, fique para trás será castigado darwinianamente por isso.



É na coerção que o homem se torna lobo do homem, na coerção que uns indivíduos fazem sobre outros, generalizada e delirante, sob a batuta de umas pretensas leis do mercado.

O totalitarismo económico, para o qual os olhos das gerações futuras olharão com espanto, legisla bem, quem não se adapta e agarra com unhas e dentes a esta competição incondicional, será punido aos olhos da rentabilidade e deve ter pelo menos a necessidade de obliterar-se pelas próprias mãos para não ser um encargo para outros.



Perante o vazio de ideias, o abandono na abnegação do trabalho torna-se cada vez mais completo, rendido à imagem imediata da separação única dos males presentes, pela redenção que vem apenas pela entrega absoluta ao trabalho futuro.





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